“A Terra tem experimentado, após vários séculos, um momento para respirar”

“Menos combustíveis fósseis estão sendo queimados nos fornos das indústrias e nos tanques de combustão dos veículos, daí a redução dos poluentes gerados nesses processos emitidos para a atmosfera”. Essa análise da professora Adriana Wilken, do Departamento de Ciência e Tecnologia Ambiental (DCTA) do CEFET-MG, ajuda a explicar um fenômeno que vem sendo observado em todo o planeta: durante o período de isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19), a poluição reduziu consideravelmente e alguns dos seus efeitos podem ser notados na saúde e no céu.
Esse dado foi analisado recentemente pelo pesquisador Marshall Burke, da Universidade Stanford (EUA), que estudou a relação entre o ar mais limpo e a redução de mortes prematuras na China durante o período mais crítico do vírus no país. Os resultados impressionam: cerca de 50.000 vidas podem ter sido salvas com a paralisação de fábricas e diminuição drástica do trânsito.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em todo o mundo, ocorrem anualmente 4,2 milhões de mortes prematuras atribuídas à poluição ambiental, causadas por doenças cerebrovasculares, doença pulmonar obstrutiva crônica, infecção respiratória aguda baixa e câncer de pulmão, traqueia e brônquios. Só no Brasil, em 2018, os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com internações relacionadas a esses problemas superou R$ 1,3 bilhão.
De acordo com a professora Adriana Wilken, diversas substâncias são responsáveis pelo agravamento não apenas dessas condições de saúde, mas também da situação ambiental como um todo. “As indústrias caracterizam-se, predominantemente, como emissoras de material particulado, monóxido de carbono (CO) e dióxido de enxofre (SO2). Os veículos automotores, principalmente os movidos à gasolina, emitem o dióxido de nitrogênio (NO2), o monóxido de carbono (CO) e os hidrocarbonetos (HC). Esses poluentes, de uma forma geral, podem causar doenças em pessoas expostas a eles, principalmente doenças respiratórias. Dependendo do tempo de exposição e condições meteorológicas desfavoráveis, podem até mesmo causar mortes”, explica.
Ainda segundo a pesquisadora, a emissão do dióxido de carbono (CO2), resultado de  qualquer processo de combustão (em fábricas ou veículos), agrava o efeito estufa, aumentando a temperatura da terra, que leva a problemas como aumento do nível do mar, desertificação de áreas férteis, migração de espécies, dentre outros. Durante o pico da pandemia na China, a emissão desse poluente caiu 25% em quatro semanas no país, entre o final de janeiro e meados de fevereiro, se comparado ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Centro de Pesquisa sobre Energia e Limpeza do Ar (Finlândia).
Mas será que o mundo precisava de uma crise como essa para frear a poluição, poupar vidas e os recursos do planeta? O professor Arnaldo Freitas, do DCTA do CEFET-MG, acredita que não. Segundo ele, diversas alternativas poderiam ser utilizados para essa redução: “O uso de tecnologias sustentáveis empregadas no sistema modal, na matriz energética, na reciclagem de materiais, na gestão adequada de resíduos, no projeto de motores automotivos mais eficientes, na gestão pública voltada ao desenvolvimento sustentável, no planejamento ambiental de cidades, na elaboração de políticas públicas voltadas para a gestão socioeconômica e ambiental, pela adoção de instrumentos e incentivos econômicos de mecanismos ambientais, entre outros”, enumera.
Entretanto, há que se questionar se o sistema econômico vigente está preparado para essas mudanças após esse grave período para a humanidade. Pesquisadores afirmam que, após a recessão financeira de 2008, as emissões de carbono subiram 5% repentinamente, como resultado de estímulos financeiros ao setor de combustíveis.
Se, por um lado, tem havido uma diminuição considerável da “pressão antrópica sobre o meio ambiente e a Terra tem experimentado, após vários séculos, um momento de descanso para respirar”, como descreve o professor Arnaldo Freitas, por outro, o futuro, após a crise, pode não ser tão bom assim, analisa a professora Adriana Wilken: “O risco é a qualidade do ar ter uma súbita piora, pois os investimentos para voltar às atividades de uma forma geral, que baseiam-se na queima de petróleo e derivados, aumentariam fortemente a emissão de todos os poluentes citados, incluindo aqueles agravadores do efeito estufa, com consequências globais”.

“Que as estrelas e a ciência nos ajudem”

Será que há diferença para quem observa o céu durante esse período de isolamento social? Ele está mais claro? As estrelas estão mais brilhantes? O professor Leonardo Gabriel, da Coordenação de Ciências e membro do Grupo de Estudo e Divulgação de Astronomia do CEFET-MG, com o auxílio de colegas da área, têm observado esse fenômeno.
Cristóvão Jacques, pesquisador de destaque na área de asteroides, mora em Belo Horizonte e tem percebido diferença nas estrelas menos visíveis, que estão brilhando mais agora. “Além da contribuição da mudança de estação, a quarentena das pessoas diminui bastante o fluxo de carros, por exemplo, reduzindo a quantidade de dióxido de carbono e nitrogênio lançados à atmosfera. Essa redução deixa o céu mais ‘transparente’ à luz que vem das estrelas, o que gera uma queda. Isso também diminui os efeitos de inversão térmica que, juntamente com a queda na poluição luminosa da cidade (difusão de luz da cidade), explica a melhoria da qualidade do céu”, explica o professor Leonardo.
Os astrofotógrafos Vinicius Januário e Warley Souza têm captado os detalhes celestiais durante esse período. Vinícius mora em Contagem e tem percebido que o “céu está mais limpo, principalmente na parte baixa, próxima ao horizonte (onde a poluição costuma ser bem perceptível”. Warley mora em Timóteo, região do Vale do Aço tradicional pelas indústrias siderúrgicas, onde o setor não parou. Por lá, houve pouca diferença no céu e apenas mudanças naturais ocasionadas pela chegada do outono foram notadas. Entretanto, nos grupos de Astrofotografia de que participa, pessoas de São Paulo e Vitória têm relatado grande melhoria no céu quanto à poluição.
Se, por um lado, toda essa situação tem melhorado a observação celestial, para a ciência astronômica a pandemia pode ter, também, reflexos negativos. Cristovão Jacques, do Southern Observatory for Near Earth Asteroids Research (SONEAR), destaca que o efeito da quarentena tem implicado na paralisação das atividades dos principais observatórios do mundo. Na área de asteroides, por exemplo, Cristóvão observou uma sensível diminuição do número de descobertas de novos objetos e do monitoramento realizado do céu. Por outro lado, as estações “amadoras” (não ligadas a estas instituições) continuam funcionando e contribuindo.
Para o professor Leonardo Gabriel, tempos como esse nos convidam a repensar nossa relação com o mundo e com a ciência. “Pegando carona nas estrelas ‘menos poluídas’ de agora, temos um bom momento para refletirmos sobre nosso pequeno lugar no universo, sobre a relação de nossa sociedade com nosso planeta e sobre a importância da ciência. Em tempos de negação da ciência, além de termos de vencer a batalha do dia (contra a negação das orientações científicas de saúde), teremos outra batalha logo à frente (contra a negação do aquecimento global). Que as estrelas e a ciência nos ajudem.”